A conquista do Cerro Portillo – mais um desafio no Ushuaia

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Depois de subir o Cerro Guanaco, no Parque Nacional Tierra del Fuego, descobri porque o Tomaz tinha escolhido aquela montanha como primeiro destino. Sim, seria a mais fácil de todas. Havia bem mais dificuldade pela frente. E o segundo desafio foi o Cerro Portillo, nas imediações da cidade de Ushuaia.

Esta montanha não está nos roteiros turísticos básicos da região, talvez apenas entre praticantes de trekking e hikking. Por isso, não há placas ou sinalização indicando onde começa a trilha para o Cerro Portillo. O ideal é baixar os mapas do wikiloc.

O início da trilha é às margens da rodovia que vai pro Hotel Arakur (caminho pra cascata Los Amigos). Deixamos o carro ao lado de um posto (parecia policial) e tivemos que passar uma propriedade particular. Não sabemos se era o caminho certo, mas foi o que o mapa indicou. O ideal é pegar as orientações direitinho na cidade. Mas atenção – não vai ter placa indicando “Aqui! Cerro Portillo”. Nada disso.

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A estrada de chão que cruza uma propriedade.

A primeira parte da trilha é uma estrada de chão. Cruzamos por alguns cavalos lindos da propriedade rural e, sem nenhuma orientação sobre o início da trilha, ingressamos mata adentro. Não havia qualquer demarcação do trajeto, mas começamos a subir. Era verão e, por isso, há muita matéria orgânica no solo e árvores tombadas. É que no inverno a neve pesa muito sobre a vegetação. Vem o “calor” (calor nada… um pouco menos de frio), o gelo derrete, encharca, fica úmido e muitas espécies apodrecem e caem. É assustadora a quantidade de árvores e troncos no chão. Mas faz parte do ciclo da natureza.

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Aos poucos, a mata foi ficando cada vez mais fechada.

Com tanta árvore no caminho, aos poucos, o bosque começou a fechar e fechar. Num determinado momento, ficou até difícil passar entre os galhos. E me bateu um pavor incontrolável. Decidimos, então, caminhar para a lateral, pois havia um som de água. Pois é, e tinha mesmo – uma enorme queda d´água impossível de atravessar. Pronto, o estrago estava feito. Eu empaquei, surtei e chorei de medo. Só pensava em sair dali e voltar. O outro casal que estava com a gente seguiu. Eu e o Tomaz retornamos. E logo veio uma surpresa…

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Tomaz subiu numa árvore para avistar o caminho.

Voltamos até a estrada de chão inicial e decidimos caminhar por ela. Andamos e, de repente, lá estava o rio… Mas com toda estrutura para a travessia. Ali fiquei mais segura. A sensação era de que a trilha seguia naquela direção, de que estávamos no sentido certo. Pensei “agora vai!”. Foi então que vimos uma abertura entre a mata. Nada muito demarcado, mas parecia ser a trilha. Que felicidade! E assim decidimos recomeçar do zero tudo de novo.

A vegetação era fechada, mas menos que na primeira tentativa. Havia um protótipo de trilha. Em alguns trechos, parecia bem claro o trajeto, em outros, não. Mas assim fomos subindo, abrindo o nosso percurso, e eu enfrentando meus medos.

Depois do bosque, a paisagem muda. A vegetação fica mais rasteira, e nos deparamos com verdadeiras esponjas verdes encharcadas de água. Você pisa, afunda e molha o pé, sem estabilidade. Alguns arbustos estavam bem secos, e a gente se engatava neles. Em vários momentos, havia verdadeiras escadas das tais esponjas (ao menos, amortecia os passos… hehehe).

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Sem trilha demarcada, passamos pela vegetação rasteira e “esponjas” encharcadas.

Subir o Cerro Portillo é difícil e puxado. E em vários momentos, você acha que está perto do cume – mas não está. E foi assim a transição da parte 2 para a parte 3 – com rochas, pedras e neve. A trilha parecia estar perto do fim, até abrir um clarão, e a gente ver que ainda tinha muito chão pela frente. Dá um desânimo….

Ao menos tenho um homem do meu lado que não me deixa desistir. Nesses momentos, eu sentava e dizia “chega”. E ele me questionava “vai desistir agora? falta tão pouco”. E assim me convencia a continuar. O cansaço era grande, mas seguia. Em alguns trechos, passamos por áreas de gelo compactado, tudo branquinho. E de repente, lá veio ela – a neve! Sim, quanto mais subíamos, mais éramos surpreendidos por pancadas rápidas de neve. Lembrei que era 24 de dezembro. O peito se encheu de alegria – neve no Natal! Ganhei um gás extra pra fechar a trilha.

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Depois do bosque, do calor e do charco, a neve!

O último trecho era composto apenas por rochas e pedras soltas. Um cenário mais árido. Para conquistar o topo, ou a gente dava a volta e percorria uma trilha mais longa ou tentava escalar algumas rochas – o que parecia fácil. Eu, já exausta, decidi tentar subir ali mesmo. Peguei uma pedra, apoiei o pé numa outra, a segunda mão foi puxar o corpo, a tal pedra não estava presa e voou. Desespero total. Me agarrei na rocha feito lagartixa. Gritava sem parar. E o meu herói, o Tomaz, foi lá e me ajudou a descer. Claro, demos a volta e percorremos o caminho tradicional.

A adrenalina foi a mil no corpo. A respiração já estava extremamente ofegante. Mas depois de umas 5h de caminhada, a gente está lá em cima – no nosso cume! Digo “nosso”, porque o Portillo é quase uma cadeia de montanhas, num formato de “C”, com o vale lá embaixo. A gente avistou pontos mais altos, mas chegamos ao cume daquele monte e já foi um sucesso! Cerca de 1.000m de altitude, e uns 6km de subida.

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A força de chegar até onde poucos chegaram…

A paisagem é sensacional, de tirar o fôlego. Depois do susto na tentativa desastrosa de escalar, minhas pernas tremiam, e eu não consegui tirar a foto tradicional de pé com os braços abertos no cume. Sentei na ponta do abismo e apenas observei. Pensei na vida, pensei em Deus, pensei no quanto eu era forte (bem mais do que eu mesmo imaginava) e no quanto eu amava aquele homem que tinha me arrastado para as maiores aventuras da minha vida – uma descoberta do meu EU.

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Love!

O retorno é sempre mais fácil. Com o charco em forma de esponja, a descida foi até amortecida. Os bastões me ajudaram bastante em todo percurso. Total: cerca de 11km e 8h de caminhada. O nível é considerado alto. Pra quem tinha começado desistindo, o fim foi com êxito e euforia. Aquela sensação “eu posso, eu consigo”.

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A vista lá de cima do Cerro Portillo!

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