Laguna de Los Tempanos e Glaciar Vinciguerra – um susto na trilha mais difícil

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Pensa num lugar bonito! Agora multiplica por 10. Sim, é demais. Apresento para vocês a Laguna de Los Tempanos e o Glaciar Vinciguerra. Mas para ficar frente a frente com a paisagem mais deslumbrante do Ushuaia é preciso suar bastante também. Eu não imaginava o sofrimento que me esperava (e nem os sustos!)

A caminhada é longa e exige um bom condicionamento físico. O trekking, incluindo a subida ao glaciar, totaliza mais de 14km. Nós fizemos tudo em 11 horas (sim, eu jamais imaginei que eu pudesse caminhar por tanto tempo!). Mas você pode sofrer menos e ir apenas até a laguna – o que já é um baita exercício e deve dar a metade do tempo.

O INÍCIO:

O início da trilha é após uma pequena vila e começa numa propriedade particular. Chegamos e não havia indicação alguma. Mas o Tomaz já conhecia o lugar. Para quem não conhece, o ideal é contratar um guia numa das milhares agências do centro do Ushuaia.

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O início da trilha

Fomos em dezembro, a metade do “verão”. Estava frio (uns 7 graus), mas ao subir as montanhas, apesar do suador, a temperatura cai e o vento intensifica. Então, esteja prevenido. Eu fui bem agasalhada, e às vezes tirava um dos casacos e guardava na mochila. Eu levei ainda bastões para amenizar o esforço (que não foi pouco).

O início da caminhada foi por uma estradinha de terra e terreno plano. Logo passamos por dentro da propriedade, por campos, cavalos e pontes de madeira. Ao lado, o rio nos acompanhava, e ao fundo, as montanhas nevadas. Há bastante lama, mas bem menos que nas outras trilhas. A marcação estava boa (risco baixo de se perder)! E em alguns trechos de barro, foram colocadas toras para facilitar a travessia.

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Toras de madeira ajudavam a travessia

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No caminho, havia cavalos belíssimos

Mais uma vez passamos pelas famosas castoreiras, enormes diques feitos de galhos dentro dos rios construídos por castores – aquele bichinho bonitinho que virou uma praga da Patagônia.

Depois de algum tempo, eis que ingressamos em um bosque de lengas. Esta espécie de árvore da Patagônia é linda no outono (quando ganha tons avermelhados e amarelados), mas no verão secam, quebram e caem. Ou seja, o bosque era cinza, mas o clima bucólico jamais nos abandonou.

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O bosque de lengas

A partir deste trecho, começa a subida. Alguns trechos são bem puxados. Muita atenção nos “cruzamentos”. Há pontos em que, para fugir do barro, alguns aventureiros cortaram caminho, o que confunde bem a marcação do percurso.

Ao sair do bosque, nos deparamos com subidas íngrimes e muita neve fofa remanescente. Isso dificultou bastante o trekking. Eu confesso que sofri bastante.

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Minha cara de sofredora na subida pela neve….

Depois de muito esforço, chegamos a um belo vale, cruzado por um rio que traz a água do degelo do glaciar. A partir dali, a sensação é de que a pior parte passou. Mas não.

A subida continuou. É que a lagoa fica a 800 metros de altitude, na base do glaciar. Ou seja, você sobe até o fim. A partir dali, o percurso tinha mais pedras e neve. E tudo pra cima – subida e mais subida. O bom é que depois de algum tempo, a gente acaba encontrando um ritmo com bastante cadência, apesar de devagar. Este é o segredo. Um passo depois do outro sem parar.

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Depois da grande subida, o vale. Mas tinha mais pela frente.

Depois de umas três horas, lá estava ela – a magnífica Laguna de Los Tempanos. Ela é realmente incrível. No inverno, a lagoa fica mais congelada. No verão, parte do gelo derrete, e outra parte cobre a água, como uma espécie de trapiche natural.

 

É possível caminhar contornando toda lagoa. Uma caminhada leve para recompor as energias. No ápice do verão, os visitantes conseguem visitar as cavernas de gelo na base do glaciar. Mas quando fomos, ainda havia bastante neve e não pudemos conhecer.

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Que espetáculo!

A SUBIDA AO GLACIAR:

A nossa ideia era seguir até o topo da montanha. O Vinciguerra é um espetáculo. Mas na estação mais “quente” do ano, a neve derrete mais, e o risco de avalanche e de gretas (rachaduras) é maior. Então, decidimos subir, mas com muito cuidado. O Tomaz e o nosso amigo André levaram todos equipamentos necessários, como os grampões (são como garras que encaixam no sapato e ajudam a aderir no gelo), capacetes e piolês (ajudam em caso de emergência). Além disso, vestimos as cadeirinhas de rapel e subimos unidos por uma corda. Tudo pela segurança.

Olhando de baixo, o topo parece logo ali. Pensei “barbada!”. Que nada. É tudo uma ilusão de ótica. Pra piorar, a neve estava fofa e funda – batia no joelho. Então, imaginem o exercício feito!! Em pouco tempo, já doía tudo no corpo. Mas eu não estava disposta a desistir. A subida foi devagar e ritmada. O Tomaz ia na frente já moldando as pegadas para facilitar a nossa passagem.

Olhávamos com apreensão pro alto, porque havia dois blocos de gelo enormes, comuns nesta época. São eles que, ao se soltar pelo calor, costumam gerar uma grande avalanche. Já pensou? Deus me livre! Fizemos de tudo para contornar e evitar a possível rota dos blocos. Sim, eu estava cagada de medo.

Aos poucos, eu olhava pra baixo, e a lagoa ficava cada vez menor. Foi aí que eu vi o quanto já tínhamos subido. E pior: o quanto ainda tínhamos que subir. Devagarinho, continuamos.

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A lagoa foi ficando pequenina lá embaixo.

A AVALANCHE:

Até que, de repente, ouvi um ruído fortíssimo, como um trovão. Rapidamente avistei mais a frente uma faixa azul (o gelo perene que fica debaixo da neve). Em menos de 1 segundo, perdi literalmente o chão e comecei a ser arrastada para baixo. Eu e os outros 3. Lembrava da lição sobre como usar o piolê – virar segurando ele no peito e com força cravar no chão. Ok, eu fazia tudo certo, só que o solo era de neve fofa e não havia qualquer possibilidade daquilo me segurar. Por um momento, até achei que daria certo, mas havia outras 3 pessoas presas também a mim, e eu ainda não era o incrível Huck para aguentar tamanho peso.

Desisti, virei de barriga pra cima e deixei a neve me levar. Fomos arrastados por cerca de 30 metros. Minha vida passou em segundos pela cabeça. Juro que pensei que eu iria morrer. Mas logo perdemos velocidade, a inclinação diminuiu e paramos. Todos estavam bem, apesar do susto e da neve sobre nós. Olhamos pra cima e vimos o estrago. A camada fina de neve que começava a derreter simplesmente ‘desgrudou” do gelo e desceu montanha abaixo em uma pequena avalanche.

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Ali atrás, a neve que deslizou e nos arrastou por 30 metros.

Se eu fiquei calma? Claro que não! Entrei em desespero. Queria voltar, sair de lá. Surtei mesmo. Mas aos poucos fui me acalmando e vendo que o risco maior era apenas este que tínhamos passado (ao menos, parecia). Voltamos, então, a subir. E eu me sentindo maluca desvarida por fazer isso.

O trecho final foi muito, muito puxado. Não tanto pela subida, mas pela neve fofa e funda que dificultava nossos passos. A boa notícia é chegamos ao alto – cerca de 1300m. Não era o cume oficial, mas era o nosso grande cume. Quase não acreditei. A vista lá de cima é um espetáculo, nem parece de verdade. E eu nem acreditava que tinha conseguido.

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E chegamos ao topo! Demais!

Fizemos um lanche, apesar de eu estar sempre sem fome (a exaustão física e a adrenalina eram tão altas que eu perdia o apetite). Comemos, bebemos água, tiramos fotos e… retornamos.

A volta foi mais fácil, claro. Em vários momentos, me atirava na neve para (tentar) descer de esquibunda. Mas como estava meio fofo, eu acabava atolando mesmo. Às vezes, dava certo. Às vezes, não. Mas eu só queria sair de lá o mais rápido possível.

Como na descida todo santo ajuda, conseguimos acelerar bem o passo. Ao fim das 11horas, a dor era geral – joelhos, glúteos, braços, pernas. Tudo. Mas acabou. E o que eu vi naquele paraíso gelado eu jamais vou esquecer.

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A gente sobe, sobe e sempre acha que está quase lá.

 

 

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